... e em breve fazia de conta que ela era uma  mulher azul porque o crepúsculo mais tarde talvez fosse azul, faz de  conta que fiava com fios de ouro as sensações. faz de conta que a  infância era hoje e prateada de brinquedos, faz de conta que uma veia  não se abrira e faz de conta que dela não estava em silêncio alvíssimo  escorrendo sangue escarlate, e que ela não estivesse pálida de morte mas  isso fazia de conta que estava mesmo de verdade, precisava no meio do  faz de conta falar a verdade de pedra opaca para que contrastasse com o  faz de conta verde-cintilante, faz de conta que amava e era amada, faz  de conta que não precisava morrer de saudade, faz de conta que estava  deitada na palma transparente de Deus,  faz de conta que vivia e  não que estivesse morrendo pois viver afinal não passava de se aproximar  cada vez mais da morte, faz de conta que ela não ficava de braços  caídos de perplexidade quando os fios de ouro que fiava se embaraçavam e  ela não sabia desfazer o fino fio frio, faz de conta que ela era sábia  bastante para desfazer os nós de corda de marinheiro que lhe atavam os  pulsos, faz de conta que tinha um cesto de pérolas só para olhar a cor  da lua pois ela era lunar, faz de conta que ela fechasse os olhos e  seres amados surgissem quando abrisse os olhos úmidos de gratidão, faz  de conta que tudo o que tinha não era faz de conta, faz de conta que se  descontraía o peito e uma luz douradíssima e leve guiava por uma  floresta de açudes mudos e de tranqüilas mortalidades, faz de conta que  ela não era lunar, faz de conta que ela não estava chorando por dentro." 
Clarice Lispector 


1 comentários:
Que bog legal, Tamires!! Gotei e to seguindo. Te cnvido a conhecer o meu.
Beijinhos
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